Quando em 1872, Darwin escreveu “The expression of emotions in man and animals”, a ideia forte do seu trabalho centrava-se na procura de um padrão expressivo das emoções, comum entre seres humanos e animais e mesmo entre seres humanos de diferentes origens culturais e raciais. Esta ideia de estudar o comum e o universal no território das emoções contextualizava-se numa visão do mundo de tipo enciclopedista e positivista, na qual o psicológico e o afectivo eram alguns dos novos pólos de interesse e curiosidade científica. Aplicar os procedimentos da etologia ao campo dos comportamentos humanos era a divisa de um pensamento ancorado sobre a ideia de tudo poder conhecer e compreender no mundo, mesmo a mais vasta e complexa teia de sentimentos e expressões humanos.
Hoje em dia, embora essa ideia de quantificação e classificação universal seja anacrónica, sabemos como foi decisiva para a criação de uma atenção sobre a experiência do sentir, até então reservada a uma esfera privada, ou quanto muito invisível/inacessível ao pensamento científico.
E se hoje dificilmente separaríamos a expressão das emoções da sua construção cultural, sabemos bem como os processos mecânicos e biológicos do corpo - choro, riso, respiração, etc – são base comum para a construção de linguagens emocionais inteligentes e reconhecíveis entre grupos humanos, sujeitas a contágios infinitos entre o pessoal e o colectivo, entre os indívíduos e a sua cultura. E a expressão facial é talvez o lugar mais concreto dessa administração da emoção pessoal para a comunicação com o mundo exterior. A cara é o cartão de visita do interior para o exterior.
Bons sentimentos, maus sentimentos vai ao encontro dessa ideia de contacto infinito entre a expressão física das emoções e a sua expressão simbólica e colectiva. Tendo como ponto de partida uma oscilação entre gestos reconhecíveis de grande interesse, simpatia e curiosidade e, inversamente, gestos de rejeição, aversão, raiva ou repugnância, as formas reconhecíveis transitam e suspendem-se nos seus extremos, transformando-se numa estranha língua de estados efectivos intensos e sem história. Em Bons sentimentos, maus sentimentos temos a possibilidade de experienciar aquilo que emerge de determinadas emoções, quando as submetemos a uma lógica de saturação, exaustão, contaminação ou mesmo descontextualização. É um trabalho em torno da estrutura das emoções como um processo infinito de empatia, que faz do nosso corpo um espaço comprometido entre impressões e expressões, entre a fugacidade e o que perdura, entre si e os outros. Comunicação silenciosa de instantes reconhecíveis e irreconhecíveis que trazem a profundidade de uma emoção à superfície do rosto.
Rita Natálio
No final dos dois anos de formação, os alunos do Programa de estudo, Pesquisa e Criação Coreográfica – PEPCC participam no processo de construção e interpretam uma nova criação de vera Mantero. Estes quinze alunos, de oito nacionalidades, terminam assim um processo formativo dirigido por destacados artistas e professores internacionais. O confronto com o público foi, ao longo desta formação, realizado em vários formatos e resultado de diferentes propostas criativas. Vera Mantero, também professora de Improvisação e Composição Coreográfica durante o PEPCC, dirige agora a última experiência de apresentação deste grupo de alunos.
O Programa de estudo, Pesquisa e Criação Coreográfica – PEPCC é um projecto pedagógico e um projecto artístico. É uma formação avançada e intensiva em dança contemporânea. O PEPCC proporciona um conhecimento e uma prática constantes e inscritos num largo espectro de experiência e de conhecimento artísticos. Contextualiza este trabalho no universo alargado da produção coreográfica ocidental. Encoraja e fornece instrumentos aos alunos para o desenvolvimento de uma postura crítica e reflexiva em relação a si e à realidade criativa actual. Promove cruzamentos com outras artes e esferas do conhecimento. O PEPCC pretende criar as condições para uma integração na comunidade artística profissional da dança contemporânea, promovendo a autonomia e a confiança no esboço de uma trajectória individual na área interpretativa ou criativa.