Não encontro apontamentos nenhuns da altura e estou a tentar lembrar-me de onde veio esta peça e, entre outras coisas, surge-me esta ideia: depois de 5 anos de Ballet Gulbenkian, depois de 5 anos a dar à perna no Ballet Gulbenkian, resolvi sentar-me. Resolvi fazer uma peça em que as pernas desaparecem, são “cortadas”, negadas. Em que é impossível a estas mulheres arrancarem-se do chão, em que há uma aparente deficiência. E em que há silêncio. Estar-se sentado em silêncio, estar-se sentado no silêncio. E dar lugar ao rosto, às mãos, aos braços, ao tronco. (Difícil não ver tudo isto como uma negação na maior parte do trabalho que tinha feito até àquela altura naquela companhia).
Há outras ideias que me surgem ao revê-la. O trabalho com o despojamento e o vazio. Uma certa lassidão, algo de absolutamente não espectacular, não performático, desprovido de dramatismos. Um tentar expor-se dentro de uma certa verdade, uma certa evidência. E alguma ironia, ou irrisão, uma certa dose de “parecer-se tonto”, parecer que não se sabe fazer. Dá-me ideia também que este resolver sentar-me é um “vir sentar-me à vossa frente para dizer”. Dizer destes estados acima descritos. É já uma enorme vontade de descobrir maneiras de dizer com a dança. Daí a frontalidade, daí as mãos e o rosto (todos três muito presentes em peças a seguir).
E depois convém talvez referir o gozo do uníssono e de uma musicalidade que vem toda ela do corpo.
Vera Mantero, Fevereiro de 1999