Não encontro apontamentos nenhuns da altura e estou a tentar lembrar-me de onde veio esta peça e, entre outras coisas, surge-me esta ideia: depois de 5 anos de Ballet Gulbenkian, depois de 5 anos a dar à perna no Ballet Gulbenkian, resolvi sentar-me. Resolvi fazer uma peça em que as pernas desaparecem, são “cortadas”, negadas. Em que é impossível a estas mulheres arrancarem-se do chão, em que há uma aparente deficiência. E em que há silêncio. Estar-se sentado em silêncio, estar-se sentado no silêncio. E dar lugar ao rosto, às mãos, aos braços, ao tronco. (Difícil não ver tudo isto como uma negação na maior parte do trabalho que tinha feito até àquela altura naquela companhia).
Há outras ideias que me surgem ao revê-la. O trabalho com o despojamento e o vazio. Uma certa lassidão, algo de absolutamente não espectacular, não performático, desprovido de dramatismos. Um tentar expor-se dentro de uma certa verdade, uma certa evidência. E alguma ironia, ou irrisão, uma certa dose de “parecer-se tonto”, parecer que não se sabe fazer. Dá-me ideia também que este resolver sentar-me é um “vir sentar-me à vossa frente para dizer”. Dizer destes estados acima descritos. É já uma enorme vontade de descobrir maneiras de dizer com a dança. Daí a frontalidade, daí as mãos e o rosto (todos três muito presentes em peças a seguir).
E depois convém talvez referir o gozo do uníssono e de uma musicalidade que vem toda ela do corpo.
Vera Mantero, Fevereiro de 1999
Ficha Artística
Vera Mantero
Angelina Bacelar, Cláudia Nóvoa, Paula Fernandes, Teresa Lopes
Interpretação | Retrospectiva Culturgest 1999
Filipa Francisco, Paula Castro, Teresa Prima , Vera Mantero
João Paulo Xavier, a partir de um desenho original de Jorge Ribeiro
Nadia Lauro
João Fiadeiro, André Lepecki, Carlota Lagido e Francisco Camacho
15 minutos
Cronologia
Esta peça foi apresentada unicamente no 13º Estúdio Experimental de Coreografia do Ballet Gulbenkian, a 28 e 29 Julho 1989, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian.
(Não havia texto sobre a peça no programa do 13º estúdio experimental, só o título, a ficha artística e um enorme currículo da coreógrafa que ocupava a página toda, e da peça... só se sabia o que dela se visse)