EU SOU SÓ MAIS UMA A SUAR ALTERNATIVAS.
Recebi a carta. Abri a carta. Li a carta. Fiquei parada de pé.
(...)
Olhei em volta. Não há outro mundo, há apenas uma outra maneira de viver. Praças, ruas, estabelecimentos vazios de sentido. A cidade moderna, o exército anónimo do progresso, implacável na devastação como a sua única salvação. Pessoas sem casa, expulsas, empurradas para um sítio qualquer. Uma crise habitacional que não é mais do que uma luta de classes. Trocam-se as cores, limpam-se os destroços, reabilita-se. Substitui-se a população, os mais ricos pelos mais pobres. O fosso social alarga-se perpetuando a tensão. Não ter direito a uma casa, a um sítio que nos devolva quem somos, é algo de profundamente desestruturante. A paisagem modifica-se, demolição silenciosa da memória patrimonial e afectiva, que poucos podem acompanhar. A especulação. Há prédios a arder, há bullying, há mortes. Longe daquele que tem os mais altos muros e as fachadas mais fechadas. Já se sabe: a crise é um modo de governo, a verdadeira catástrofe é existencial e metafísica e a revolta e o pensamento são-nos forças inalheáveis. Até lá rios secam, árvores são dizimadas, espécies que passam só a existir em livros, plástico no ar, novas doenças. E os supremos que tentarão refugiar-se sempre no seu condomínio de luxo, ao abrigo de tempestades e evidências.
Ficha Artística
Cronologia
29 Abril 2021, Cineteatro Louletano, Loulé/Portugal