Este espectáculo é uma espécie de organismo vivo que possui os intérpretes.
Em aparência e no seu discurso verbal, os intérpretes fazem um passeio por Lisboa num dia. Vão tendo conversas banais e partilhando memórias, com as quais vão criando uma arqueologia daquilo que são uns para os outros.
Mas paralelamente à (ou por dentro da) “conversa de chacha”, os corpos projectam um espaço imaginário colectivo onde cada zona do corpo é potencial ponto de acoplagem, de criação de interstícios, de espaços visíveis ou invisíveis, sugerindo acontecimentos exteriores a esses corpos, ou até criando um terceiro corpo: um corpo de corpos.
Com a ignição dos corpos, a palavra abre-se à imprevisibilidade. Por um lado torna-se vulnerável ao estado de não correspondência com os gestos, compondo-se um certo desajuste, um desalinhamento incongruente. Por outro lado, a presença da acção sobre a palavra pode revelar, paradoxalmente, não uma divisão ou um corte, mas uma relação simbiótica entre o movimento e o discurso. No encontro com o corpo em movimento, as palavras podem até tornar perceptível o imperceptível, permitem-nos sermos capazes de ver mentalmente coisas à nossa frente, de conjecturar e de criar novos significados.
A acção do corpo encontra múltiplas formas de organização que põem em vibração a “conversa de chacha”, dando assim visibilidade à dimensão sociológica mas sobretudo existencial, absurda, trágico-cómica do desempenho performativo que sustentamos na vida de todos os dias, no nosso quotidiano mais trivial. O corpo abre rachas nas palavras e mergulhamos nos abismos, nas fúrias, nos monstros, nos silêncios, nos buracos negros, nas utopias e nas distopias que palpitam dentro destes diálogos que nos parecem querer dizer “está tudo bem”.
Um paraquedas colorido.
Consideras-te uma forma ou um evento?
Sinto que tenho uma forma, mas esta está em constante mutação desde que fui concebido. O evento da minha vida é a vida da minha forma.
Com que forma nasceste?
Todos nascemos esferas. Mas depois os nossos contornos vão se tornando cada vez mais angulares. Alguns, os mais quadrados, tornam-se cúbicos. Um cubo é uma esfera militar.
Porque é que as coisas têm contornos?
Porque as coisas são aglomerados de matéria que ao atingirem o seu limite gravitacional de aglomeração ganham "contornos".
Então sem gravidade, não haveria contornos?
Não, porque não haveria olhos.
Porque é que os palhaços não têm pais?
Porque são demasiados os Eus dentro dum só palhaço.
Quem é que dentro de mim me decide dançar?
O que está fora da tua percepção.
Quem é que fora de mim me decide dançar?
O Big Bang, o Sagrado, a escuridão, os eclipses e a quarta dimensão.
Como chegar à quarta dimensão?
Provavelmente com uma corpovisão do universo. Um erotismo cósmico.
Não sou lá muito erótico…
Experimenta mergulhar noutras escalas. No que está fora do teu alcance.
Alcance de quem?
Do ser humano… do artista… Mas principalmente do espectador.
Gostas de adivinhas?
Muito.
Mesmo quando não encontras respostas?
Sobretudo quando não encontro respostas.
Porquê?
Sou um ilusionista do gesto.
Um mágico?
Mais ou menos. Um mágico sem acessórios.
E ainda assim sacas coelhos da cartola?
Coelhos metafóricos, sim.
E além dos coelhos?
O gesto. O corpo. O fumo. [suspensão] Se pensarmos no espaço como sólido, os corpos são como vazios nesse espaço.
Quem é que disse isso?
Eu. E o Tony Smith. E muitas outras pessoas que também dialogaram com o Tony Smith.
Comigo, queres tu dizer.
Sim, contigo, Tony Smith.
Como te chamas tu?
Tony Smith.
Porque andas em círculos?
Porque os palhaços vivem num círculo.
O que é uma ideia?
É um preconceito.
O que é uma ideia?
É um preconceito.
O que é uma ideia?
Um contorno provisório.
O que é uma ideia?
Um lugar onde o tempo está suspenso e em expansão. Como o Big Bang.
E esta peça, é sobre o quê?
Sobre ti. Sobre mim. Sobre adiar o fim do mundo.
Ficha Artística
Cronologia
Estreia 27 - 28 Agosto 2021, Destemporada, Pequeno Auditório, CCB - Centro Cultural de Belém, Lisboa/Portugal