Anarquismos (Pelo meio do quarto corre um rio mais claro) conta o sonho de um homem que recorda a casa e três companheiros com quem compartilhou os seus primeiros anos de juventude. Partindo da consciência de que a memória e o sonho são mecanismos imperfeitos, sabe que apenas nesse território indefinido, atravessado por luzes e sons da história, a sua identidade actual ser-lhe-á mostrada. Anarquismos é uma peça sobre a ausência, os sonhos, o medo e o silencio que têm lugar em qualquer grupo ou constelação familiar. E, ao mesmo tempo, desenha as expectativas de uma geração que enfrenta pela primeira vez os seus erros e a falta de um projecto comum. Estruturada como um poema épico e um retrato de grupo, a montagem inspira-se na visão dos vencidos, dos marginais e dos instantes decisivos, onde os que tinham algo em comum, ideias e utopias, deixam de o ter.
Os corpos desta peça não têm história, não têm nome nem identidade. Desde que vieram ao mundo, que lhes disseram que não se deve mexer na história, mas eles vieram preparados para mexer nela do princípio ao fim. Então, entram num quarto e perguntam-se, olham-se, inventam uma linguagem. O quarto é uma pequena ilha no meio de um rio selvagem. As correntes da história dão forma aos corpos e atiram-nos contra as paredes. Se soubessem o suficiente sobre a história da dissidência e da anarquia, quem sabe pudessem sobreviver. Mas, se soubessem o suficiente, não se teriam fechado para fazer esta tentativa desesperada de viver de outra maneira. Nessa corrente de amor e ódio, os corpos são empurrados num equilíbrio impossível e só permanecendo juntos, tocando-se, conhecendo-se, serão capazes de entender quem são, o que podem preparar, que vida e relações podem ainda explorar. Que aventura é ainda possível num mundo que está a acabar. Adaptando a frase de Ricardo Piglia, em Anarquismos “a história é escrita pelos vencedores, mas quem a dança são os vencidos”.