Fui desafiado a criar esta obra no âmbito das comemorações dos 500 anos da viagem de circum-navegação de Fernão Magalhães que se realizaram ao longo de 2019 e 2020.
Realizei a criação deste espectáculo tentando reflectir de algum modo sobre o legado e as possíveis consequências, civilizacionais, desse período na nossa contemporaneidade e naquilo que hoje nos define, nomeadamente no campo artístico e na forma como essa herança afectou e definiu, por exemplo, a identidade da dança que fazemos.
Questionando esse património histórico, reflectindo sobre conceitos como o de globalização e universalidade, inaugurados de certo modo pela aventura das descobertas e assimilados na nossa contemporaneidade, qual é verdadeiramente a minha dança, a nossa dança, a dança de Portugal, do Brasil, do Chile ou do Uruguai hoje?
Será que a minha dança, por exemplo, nasceu ela de uma cultura dominante, que se impôs a todas as outras? Até que ponto se disseminou e qual a dimensão do seu impacto? Ao me colocar perante o outro, diferente, que terá sido sujeito a essa imposição histórica, que dança lhe pode restar? O que a define? Quais as suas características intrínsecas? É possível identificá-las?
Na história da epopeia de Magalhães há um episódio que se torna relevante para o desfecho do evento e que se tornou central na reflexão para esta criação, a sua morte durante uma emboscada, antes de terminada a sua missão. Perante tal facto, é o seu colega espanhol, Elcano, que dá continuidade e termina a viagem.
Numa espécie de analogia, a morte de Magalhães, literal e metafórica, surgiu neste projecto como uma possibilidade de se pensar o momento em que algo acaba ou se interrompe, e como a partir daí se desenha uma outra perspectiva, um novo paradigma. Como ponderar a passagem de um sistema para outro sistema, seja ele conceptual ou político, ou mesmo estético? Como confrontar e pensar o passado e os seus fantasmas, ao mesmo tempo que se tenta vislumbrar e habitar outros mundos, outras existências, corpóreas ou imateriais?
O que aconteceria se o “criador” europeu “morresse”? Se de repente essa autoria e essa lógica fossem abaladas ou deixassem de fazer sentido? Que marcas deixaria para os que ficam? E que desafios se poriam perante os que continuam? Como ultrapassar a herança e o trauma e abrir novos campos de acção?
Esta peça estreou em Montevidéu, em Dezembro de 2019, ainda inacabada, irresolúvel talvez, atravessada por vicissitudes várias, tal qual uma viagem, ou uma deriva, com as suas imprevisibilidades e surpresas, talvez pequena demais para abarcar tamanha ambição.
Miguel Pereira
Ficha Artística
Direcção
Miguel Pereira
Apoio à Dramaturgia
Marcelo Evelin
Interpretação e co-criação
Joaquín Cruz Marín, Rafael Silva Provoste e Miguel Pereira
Desenho de Luz
Leticia Skrycky
Música e Sonoplastia
Diogo Alvim
Assistência
Luna Anais
Produção
O Rumo do Fumo
Co-produção
São Luiz Teatro Municipal, Teatro Municipal do Porto
Apoios
Auditorio Nacional del Sodre (Uruguai), Câmara Municipal de Lisboa / Divisão de Acção Cultural / Direcção Municipal de Cultura, CAMPO | gestão e criação em arte contemporânea (Brasil), Casa da América Latina (Portugal), Embaixadas de Portugal no Brasil, no Chile e no Uruguai/Camões I.P., Festival de Artes Cielos del Infinito (Patagónia), Fundação Calouste Gulbenkian (Portugal), INAE - Instituto Nacional de Artes Escénicas (Uruguai), NAVE (Chile)
Apoio à Circulação no Chile
Fundação GDA
Cronologia
2 Setembro 2022, Espacio Flor de Agua, Puerto Montt/Chile
27 - 28 Agosto 2022, Sala Negra, NAVE, Santiago/Chile
Estreia 6 - 7 Dezembro 2019, Sala Hugo Balzo, Auditorio Nacional del Sodre Dra. Adela Reta, Montevideu/Uruguai